Postagens

Mostrando postagens de outubro, 2009

Cicatriz

Os olhos percorreram o espelho enquanto os dedos tateavam a pele e acariciavam as marcas do corpo. Tinha uma ligação estranha com cada uma daquelas imperfeições. Imaginava sua pele como um quadro branco, sem tinta, cada marca era uma pincelada, um capítulo de sua vida. Quando tocava uma cicatriz lembrava exatamente de como ela surgiu, podia até sentir a mesma dor: a pele sendo cortada ou esfolada. Não era uma dor ruim, e sim uma sensação de estar viva, de ser única, de ter uma história. A sua preferida era um corte feito quando era criança. Era tão moleca quanto os irmãos mais velhos e, naquela tarde de primavera, subiu na árvore para comer alguma fruta da época. Estava a uns 3 metros do chão quando o irmão do meio passou correndo pela porta da cozinha gritando seu nome. Assustou-se e perdeu o equilibrio, escorregou e começou a cair, conseguiu se segurar em um galho na metade do trajeto Um galho quebrado havia rasgado a pele e uma parte dele continuava fincado em sua carne. Havia sangu

Só suspeitas...

Duas palavras ecoavam em sua mente há algumas horas, só duas, sem conexões, só substantivos. Na escuridão do quarto tentava definir o quanto aquele amontoado de letras significava, a sensação que elas causavam, que sentimentos evocavam. No meio dessas tentativas fechava os olhos e procurava o sono. Ele vinha, forte, pesado, ardia seus olhos. Não o suficiente para impedir as tentativas, elas voltavam e o sono se escondia, dando espaço a lágrimas que não queriam cair. Um nó ia se apertando no peito, mais e mais, havia um amontoado de sentimentos que, juntos, se anulavam e não sentia nada. Vazio. Queria poder repetir aquelas duas palavras amaldiçoadas para alguém, ouvi-las se esvaindo com o som de sua voz, perceber melhor o poder delas e decidir o quanto elas podiam machucar, descobrir o quanto a primeira anulava a outra, se tinha o direito de chorar. Não podia, falar elas se agarravam em sua garganta e impediam que a fala saísse. As palavras continuaram ecoando, elas ecoam ainda: "s

Dualidade: Luz e Sombra

Luz Banho de cachoeira, água fria e cristalina, perfume de flores e relva. Visto meu vestido de primavera, cor de algodão. Prendo meus cabelos em trança, enfeitada com flores do campo. Tenho em mim todos os sorrisos do mundo, a paz me envolve e deixa meu coração leve. A pena branca empunhada com delicadeza, deslizam contos de amor e saudade . Sombra Água quente na tina, perfume de dama da noite. Visto meu manto mais negro, cabelos soltos ao vento. No ar ressoam as doze badalas, no peito ecoa o silêncio. Um sussurro estrondoso recita-me a poesia, é Aquela que muitos temem que me guia. Empunho a pena negra de corvo, dela escorre sangue e lágrimas, escapam contos de horror e magia.

Lembranças imaginárias

Um emaranhado de imagens vai se formando, quadros surgem e somem em segundos. Alguns quadros se tornam vivos, se movem, alguns tem sons. São vozes que nunca ouvi e músicas que não conheço, frutos de instrumentos antigos. Sorrisos vazios, lágrimas que não caíram, gargalhadas ecoam, feições nada familiares, olhos que atormentam. Alguns zombam, outros confortam, todos parecem terem algo a dizer. Como veio, vai, se perdem em algum ponto da consciência, não há como reproduzir, não há como lembrar, não há como entender. Minha mente tenta prender alguma, concentrar-se e procurar a resposta, mas há peças demais. Restam vestígios de histórias que não são minhas, que me pergunto se pertencem a alguém. Histórias que se confundem com meus sonhos e não sei se são imaginação ou... lembranças.