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O corpo

[...é o templo...] Adentro o templo devagar, passadas curtas, receosas. A escuridão toma conta do recinto, mas aos poucos meus olhos se acostumam e encontram fachos de luz que entram pelas rachaduras das paredes descuidadas. A poeira vai se acumulando pelos cantos, tomando conta das superfícies. Teias de aranha se espalham pelo teto, deslizam pelas paredes, alcançam o chão e não é difícil avistar suas hábeis tecelãs caminhando tranquilas. O ar é pesado, úmido e quente. O musgo encobre a pintura que nem mesmo foi completada. Ervas daninhas encontram espaço entre os tijolos e telhas. Escadas que não levam a lugar nenhum, labirintos suicidas. Portas que não abrem. Salas que não abrigam nada... Impossível não se infestar pela combinação grotesca da fauna e flora indesejada daquela construção mal planejada. [...em construção até o último suspiro...]

Sentidos desperdiçados

Um a um vão se desabotoando as presilhas, dedos enfiados na carne para botar a alma à mostra. Desce o zíper da pele para olhar bem fundo no peito. Ei, olha só! Quanta coisa para se ver aqui dentro de mim. Me dá essa faca preu abrir melhor e espaçar os órgãos para te mostrar. Tá vendo? Me revelo para você, minuto a minuto. Você nem enxerga. Nem percebe. Ah! Descobri uma dor nova, vem apreciá-la comigo? Tá vendo como tá enraizada no peito? Ali escondida, atrás de tanta lembrança. Não vê? Veja só, acabei de relembrar esse trauma. Achei que já tinha sido superado, mas que nada, tava ali, atrás da poeira do dia a dia. O quê? Ocupado demais para perceber? Quantos preconceitos! Caramba, quanto machismo. Credo, que horror! Tantos lugares comuns, e essas frases feitas? E esse pensamento rasos? Olha só, esse monte de hipocrisia bem na minha cara. Tudo aqui. Descoberto para você me ver. E você continua ai, sem me ouvir, sem me ver. Enxergando esse monte de pele, parando onde os olhos chega

Vambora

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Vem, me dá a mão, me arrasta para longe do céu cinza, do ar sujo, da confusão... Vamos para dentro, para perto, pro centro de lá. Vem comigo para onde a terra cheira vida, e o mato que pinta a paisagem é salpicado de flores, pássaros e felicidade. Vem, vambora. Lá onde o vento corta a pele e a fogueira aquece a alma com café fumegante para tomar.  Onde a vida é mais simples e perfumada, sem marca, sem rótulo, sem prazo de validade. Não, lá não chega luz, mas os olhos se alumeiam com as estrelas do lugar.  A comunicação por lá é toda complicada, é difícil de escutar, só assim para eu ouvir meu coração. Foge comigo prum lugar em que estejamos juntos realmente, sem meias verdades, maquiagem, sem hora para chegar. Lá onde a água corre livre, molha o ar, enche os ouvidos e é boa de tomar. Os animais são vizinhança, são amigos, são visitas, são jantar. Vem comigo passear. Me leva daqui, daqui dessa confusão que cala meus pensamentos, atordoa meus sentidos e engana a intuição. Minha

Medo

Medo. Respiração ofegante. Medo. E agora? Só vejo medo... ...não devia ser assim. Devia? Só vejo medo.

Banho maria

Água morna pra conservar. Nem frio demais pra afastar. Nem quente demais pra aproximar.<br> Sem coragem pra dizer não, sem vontade pra dizer sim. Ferindo aos poucos, bem devagar, com cautela pra não matar. Sem zelo pra não grudar. Pedaço por pedaço, minando um pouco aqui e acolá. Pra dar tempo de voltar atrás. Pra ficar com gostinho de quero mais, sem enjoar. Covardia de apimentar, conforto pra experimentar. Seja quente ou gelado. Mas SEJA! Sem meio termo.

'Seleia'...

Ela mergulhou com Sedna, foi fundo, mas no ponto errado. Confundiu dor com ódio e se afundou em veneno. Quis proteger o coração partido e se revestiu de uma armadura embebida em raiva e decepção. Só não percebeu as lâminas do lado de dentro. Elas aumentavam o corte, sangravam a carne, amplificavam qualquer golpe externo e tudo ficava mais fundo, mais dolorido. Era orgulho, era medo. Muito medo. A armadura também tampava os olhos, e ela não via bem. Não via a chance escapando, não via o amor sendo destruído. Não via... Ela tenta tirar a armadura, mas ela fincou na pele, as lâminas são ganchos que fisgam a carne. É preciso tirar devagar, com cuidado. É preciso emergir, voltar a superfície. Jogar a armadura é reconhecer o amor, mesmo no coração partido. É esquecer o orgulho. É poder nadar livremente, é recuperar o amor.

Mea culpa

De um lado a vida que clama atenção. Do outro, a morte pedindo o luto. Nego a morte, desrespeito a vida. Me perco no limbo entre o amor incondicional e a dor dilacerante. Meus pés não tocam o chão da realidade, minhas mãos negam o espelho de verdade. O silêncio provoca vozes inconstantes. Meu ódio fere a vida e a vingança atinge a inocência. Mea culpa. Os juízes fecham os olhos e me ignoram e o veredicto é falso e incompleto. O sorriso se apaga no veneno, e as lágrimas escorrem em dobro e sem final. A dor reabre as portas da alma e dois sentem a mesma lâmina gelada. Como liberar a dor do peito em pedaços?